BRIGADAS



BRIGADAS: OS TIJOLOS PARA CONSTRUÇÃO


Ruptura. Estamos acostumados/as a ser geridos/as, direcionados/as, encaminhados/as, conduzidos/as, em quase todas (quiçá todas) as instâncias das nossas vidas. Perdão pela pretensão na análise, mas é a partir desta reflexão que surge a Brigada como uma proposta de construção efetivamente coletiva de, pelo menos, uma parte de nossas vidas. É a tentativa de não sermos consumidores/as em algo que nós mesmos podemos construir. É sair das contemplações e poder partir para uma construção, e coletiva. É rejeitar um tipo de sociedade em que uns/umas têm de apenas “limpar” enquanto outros/as “pensam”. E por tudo isso, a proposta não é isentar da inscrição do Encontro os/as participantes/as que ajudarem nas Brigadas.

Não vamos reproduzir uma relação interesseira no próprio Encontro, comprando pessoas para a Brigada com o valor da inscrição. Também não vamos terceirizar a organização. A intenção é simplesmente encontrar um grupo grande de pessoas que se sintam à vontade para ajudar na construção do ENEG, sem que elas tenham de receber algo em troca – nem sejam cobradas depois por isso, como se prestassem um serviço.

As Brigadas surgiram pela primeira vez na Geografia em um Encontro Regional de Estudantes de Geografia do Sudeste, em Belo Horizonte, no ano de 2006, para contrapor um modelo de Encontro em que os/as estudantes/as aparecem apenas como consumidores/as do espaço construído. A proposta das Brigadas naquele momento partiu da concepção política de que todos/as que se apresentam a um Encontro devem se apropriar dele em sua totalidade, vivenciando todos os momentos e dimensões do Encontro como sujeitos autônomos, como agentes transformadores/as de nossa realidade. Com autonomia para propor e socializar discussões geográficas, intervir nos espaços construídos, construir novos espaços e também cuidar, preservar, respeitar os espaços (na maioria das vezes, públicos) dos quais nos apropriamos.

A proposta das Brigadas parte da idéia de que não precisamos de especialistas para nos dar um Encontro e de que podemos construir juntos/as um Encontro, em todos os seus momentos, de forma não-determinada. Tem a ver, portanto com nossa autonomia. Depois disso, vem sendo uma prática adotada em outros encontros da Geografia, como o EREGEO do Sul (Florianópolis), Sudeste (Vitória e Niterói) e ENEG’s (Cáceres e Porto Velho). A proposta vai além da divisão do trabalho, é um chamado para a participação efetiva no Encontro e a pretensão que esta participação vá para outras instâncias da Geografia e da vida. Afinal, podemos questionar a forma como levamos à vida e como a vida nos leva, o individualismo que envolve nossa sociedade, a busca individual para solução de problemas coletivos, que nada nos ajuda, ou até mesmo a ignorância de todos os problemas que nos afligem. Sabermos que podemos no Encontro nadar um pouco contra essas correntes. Exercer nossa capacidade de autogoverno, nossas potencialidades que estão para além de sermos apenas estudantes, aos quais cabe apenas estudar, se formar e trabalhar. Temos que ser estudantes, mas podemos ser muito mais que isso. E construir nossos espaços para nossos exercícios de debates, de questionamentos, de organizações coletivas para ação, tudo isso é antes de tudo, e só poderá ser assim, uma construção coletiva, onde a pluralidade só aparece com a livre participação de todos, colocando suas diversas perspectivas sobre tudo que nos apeteça. E tudo isso sem negar a realidade, pois sabemos que o Encontro é breve, mas que pode nos servir de lição, de experiência sobre como poderemos expandir nossas perspectivas de vida, sobre como poderemos retornar às nossas “vidas normais” com outros pensamentos, mais críticos talvez, conscientes que podemos sempre ser mais do que somos. Que podemos ser autônomos e construir em outros lugares e de várias formas os espaços de resistência ao mundo-que-aí-está, onde temos que trabalhar que estudar, que por vezes nos isolar, mas que podemos resistir e sonhar. Na construção dos espaços coletivos talvez resida as esperanças, de sermos iguais nas diferenças e construirmos soluções coletivas para problemas coletivos, sejam eles quais sejam.

Vale lembrar que a Brigada não é uma invenção de estudantes. É uma prática adotada por alguns movimentos sociais e populares, como o MST, como forma de organização e de descentralização, tanto no que diz respeito aos processos político-decisórios, até nas ações que permeiam o cotidiano. A prática das Brigadas, na verdade, é bem mais antiga, talvez seja só uma denominação para um anseio de decidir e intervir nas ações de grupos coletivos. Vale à pena procurar estudar o tema!

Nos ENEG’s, as Brigadas acabam se dividindo por funções, tais como: limpeza e manutenção do “território”, comunicação, segurança, e demais demandas que surgirem de acordo com a realidade do Encontro. As divisões de tarefas são feitas na plenária inicial, por haver um número relevante de estudantes presentes, sendo feitos por “fitinhas”, onde fitas coloridas para amarrar no punho são distribuídas no credenciamento, ou por escolas. A vantagem das “fitinhas” é que proporciona uma integração maior de estudantes de escolas diferentes. Já, a vantagem da divisão por escolas é que facilita os/as mais “tímidos/as”. Alguns/Algumas criticam, talvez por não souberem, falando “não viemos aqui para fazer faxina” ou “vamos contratar uma faxineira” (isso ocorreu no ENEG de Cáceres). Ninguém é obrigado/da a fazer o que não quer. Aliás, característico da vida estudantil, é necessário que façamos essa diferenciação: as Brigadas no caso do MST, por exemplo, é de uma construção cotidiana, levam anos. No movimento estudantil existe uma rotatividade que, por vezes, acaba prejudicando a participação de estudantes que participam numa média, de dois ENEG’s.

Mas a Brigada não é um “faxinão”, não é um barateamento do Encontro ou para tirar a responsabilidade da escola-sede. Ao contrário, a idéia das brigadas é colocar em jogo nossa postura política e social, nossa participação, nosso pertencimento ao momento que estamos vivendo. É colocar para os/as estudantes que eles/elas são responsáveis pelo espaço que ocupam e que isso não pode ficar só na teoria e nos conceitos dos livros, é a prática da sua gestão no espaço de forma coletiva, é não colocar a responsabilidade nos/nas outros/as e esperar que alguém venha conduzir (ou limpar) seu encontro (sua sujeira); é uma forma de colocar o trabalho coletivo em prol da descentralização das atividades, a favor da participação daqueles/las que não puderam participar da construção do Encontro.


É também uma discussão política porque coloca em jogo nossa intervenção, nossa capacidade de agir coletivamente, de nos auto-organizarmos. De tirar a lição e aprender que as tarefas mais árduas podem nos render frutos, nem que seja a própria negação do trabalho coletivo, ou então que fique semeado o questionamento do “por que” que tens que ir a um Encontro de estudantes e não ser servido.

Assim, o/a estudante fará parte do Encontro na Brigada, em que todos/as se colocam à disposição para ajudar e para discutir o que pode e deve ser feito. A tarefa principal é contribuir para que o encontro funcione de forma orgânica, sem que alguns/mas poucos/as estudantes se transformem em funcionários/as que acabam precisando abrir mão de participar das atividades do ENEG para que ele ocorra.

Não é idealizar o melhor encontro do mundo, mas sim o melhor encontro possível, desde que as pessoas se sintam parte do encontro, responsáveis por ele, e, ao mesmo tempo e por causa disso, queiram aproveitar ao máximo as atividades que estão sendo realizadas. Sendo repetitivos, mas se faz necessário, queremos evitar uma relação de empregados/as e consumo do encontro, procurando estabelecer, através das Brigadas, uma relação de responsabilidade e até paixão por aquilo que fazemos. E aí, com certeza, será o melhor encontro do mundo!

O que fica é uma questão: se não conseguimos, autonomamente, por nós mesmos, cuidar nem do chão da nossa casa, vamos cobrar o quê de quem?





Fonte: 18º ENEG - UNIFAL

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